quinta-feira, 15 de maio de 2014

as primeiras ~ e, no final das contas, as minhas verdadeiras ~ amizades de Cuenca

Era final de agosto e eu, recém-desembarcada em terras espanholas, não fazia a menor ideia do que encontraria de experiências interpessoais nessa temporada. Juntas, no apartamento 2D da Calle Rodolfo Llopis, nº 3, estávamos em quatro brasileiras, dentre as quais, a Fer tornou-se minha duplinha de riso constante.

Antes do início das aulas, tínhamos que nos apresentar ao ORI da UCLM, que era tipo um departamento de suporte aos Erasmus ~ onde, diga-se de passagem, desconfio que já fomos motivos de muita risada. Após algumas tentativas frustradas de acordar antes das 14h ~ culpa do fuso, conseguimos vencer o sono e lá fomos nós. Com toda aquela desenvoltura no espanhol que nos era peculiar, tentamos o primeiro contato: 

- Hola... Brasiiil (?). O que queríamos dizer: Olá, bom dia, nós somos as intercambistas que vieram do Brasil, tudo bem? Estamos aqui para receber as primeiras orientações. Em resposta, evidentemente, recebemos um: Holaa... España!! e fomos o primeiro alvo de graça daquele dia.

Enquanto aguardávamos no sofá da ORI, por sorte do destino, entraram dois estudantes e sentaram-se diante de nós. Todos mudos se entreolhando, até que começam a rir e: brasileiras, né? ~ povo que mais se reconhece no mundo, viu. Eram Gabi e Vitor. Dali já saímos para tomar café da manhã e depois para o montaditos e depois para assistir ao jogo do Brasil lá em casa com cachaça, e depois, e depois, e depois {...}, como se a amizade que teríamos já nos fosse certa.

Entre noites regadas a muito vinho, tinto de verano, risadas, derrames/pt's, chororôs de saudade, papo deprê, papo cabeça, muito papo imbecil, filmes, música, festas normais, muitas festas piradas, caminhadas a toa, corridas a noite no frio, almoços, jantares, pasteis, quinto pecado, chinos da madrugada, chino para tirar a barriga da miséria, risadas, risadas, risadas, {...} São tantas ~ !!! ~ as lembranças gravadas na memória que tenho certeza que essas estão longe de precisarem ser registradas em detalhes por aqui. Levarei mesmo no meu coração. Sempre.





quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Tomatina de Buñol - 31/08/2011


A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida. É preciso encontrar as coisas certas da vida, para que ela tenha o sentido que se deseja
[...] - Vinicius de Moraes

Estou ali no canto direito, meio altura, blusa roxa. Quem achou?


Lembro como se fosse ontem: estava escuro quando pulamos da cama e passamos a mão no que restava da vodka e do energético do dia anterior. Chamamos o táxi para a Calle Rodolpho Llopis, n. 3. O sol ainda estava acordando quando o motorista chegou. “Donde van, chicas, a Madrid?”. Instantaneamente, pensei em como iríamos a Madri vestidas com roupas de ginástica, havaianas e carregando sacolas com bebidas. “No, vamonos a Tomatina!”. "Tomatina de Buñol? iihuu!" - juntamente com o grito empolgado, veio um movimento de braço como se disesse "é isso aí". Um receio da loucura que poderia ser esta tomatina despertou no meu consciente, mas já que estávamos ali, partimos. Chegamos à estação de trem. “Una pasaje a Buñol, por favor". Na plataforma, enquanto esperávamos o trem, pombos e velhinhos - que, certamente, não iriam à Tomatina - nos faziam companhia. Nenhum sinal de jovens animados prontos para curtirem uma guerra de tomates. Chegou o trem. Era a primeira vez que eu iria andar naquela máquina. Sentei na janela e, do lado de lá do vidro gelado, paisagens deslumbrantes corriam aos meus olhos. Criações de girassóis, vilas abandonadas, vales ensolarados... até que, depois de duas horas, um pouco sonolentas, notamos o princípio de uma movimentação. As imagens agora andavam enquanto o trem diminuía a sua velocidade. De repente, uma pequena cidade cor de terra arquitetou-se à nossa vista. Pessoas animadas retiravam suas armaduras e seus mantimentos dos carros estacionados. Logo o trem parou na estação e, então, ficamos surpresas quando não fomos as únicas a descer. Definitivamente, estávamos no vagão errado, já que, dos outros, desciam jovens aos montes. Acontece. Seguimos. Era uma longa descida até o centro da batalha, mas que ficou curta diante dos detalhes que nos prendiam: o aspecto antigo da cidade; no alto, um castelo rodeado por muralhas; vendedores nas barracas disputando clientes ávidos por uma lembrancinha daquela experiência; ambulantes empurrando máquinas descartáveis e óculos de natação; e o principal, muita, mas muita gente diferente! Pessoas de todos os lugares do mundo pareciam invadir aquela cidade e, ao mesmo tempo que apresentavam os seus sotaques, as suas culturas, misturavam-se na multidão para, juntas, compor o objetivo único: tornar a guerra divertida. Suas armas? Tomates. Dali saímos com uma máquina descartável, já que seria a única forma de registrarmos o dia - "veinticuatro fotos", o vendedor nos prometeu. Na décima segunda pose, a máquina parou de funcionar. Acontece também. Já no centro, encontramos alguns brasileiros, nada mais comum. Um deles uniu-se ao nosso grupo e, felizmente, havia levado um celular com câmera. Às 11h, foguetes anunciaram o início da batalha, que durou uma hora. Caminhões carregados de tomates adentraram a avenida principal e não demorou muito até que a correnteza de tomate nos alcançasse. Estávamos com caldo de tomate até os joelhos e, então, entramos na guerra. Tomates voavam por toda a direção. Tomates. Tomates. Tomates. Tomates. Tomates. Tomates. Tomates. Tomates. Tomates. Tomates. Tomates. Tomates. Tomates. Tomates. Tomates. Tomates. Tomates. Por uma hora inteira, headshots de tomates. Novos foguetes explodem: fim da guerra. Ninguém mais poderia ser alvo de ataques vermelhos. Era hora de nos lavarmos. Seguimos a multidão, meio sem saber aonde iríamos chegar. Chegamos: à esquerda, um riacho que continuava com uma cascata; à direita, um paredão de onde saíam inúmeras duchas. A fila estava grande. Entramos no riacho. Lembro que aquele momento proporcionou um gostinho de infância, de tomar banho de cachoeira, apesar de a água não passar da canela. Sei que parece um pouco sem sentido, mas preciso registrar uma lembrança: Bob Esponja. Para nos secarmos, deitamos um pouco na pedra. Repórteres de televisão passaram nos filmando e eu realmente acho que nunca saberei se saímos naquele vídeo. Quando a fila diminuiu, tomamos um meio banho no paredão. Ao lado de cada ducha, havia um monte formado pelas roupas descartadas de quem por ali passou, mas agora estavam todas vermelhas. Aparentemente limpas, começamos o caminho de volta até a estação. Os moradores, juntamente com os garis, estavam a limpar as ruas, as paredes e os muros de suas casas. Não pareciam infelizes ou incomodados com a nossa presença. Afinal, acho que essa guerra é, também para eles, sempre um motivo de risada e diversão, de ver a cidade se encher de turista e ganhar cor, ainda que monocromática. No meio da subida, pausa para uma hamburguesa, que não foi a melhor que experimentamos, mas caiu muito bem para a nossa vontade de comer. Fila na estação e duas horas até que o trem chegasse para nos levar de volta à Cuenca. Com uma cochilada no chão, o tempo passou mais rápido. Hora de partir. A cidade já se despedia dos guerreiros temporários, contando os dias para a próxima última quarta-feira do mês de agosto, no caso, HOJE.


Registros fotográficos:

Ainda sem tomate. Molhados porque os moradores do último andar do prédio da frente nos jogaram água. Faz parte.

Olha lá o caminhão. Vai começar a guerra!

Pós-guerra.




Ainda volto lá um dia!

terça-feira, 17 de abril de 2012

Memórias de um intercâmbio: A viagem de cada um!


"Sonhar o sonho impossível,
Sofrer a angústia implacável,
Pisar onde os bravos não ousam,
Reparar o mal irreparável,
Amar um amor casto à distância, 
Enfrentar o inimigo invencível,
Tentar quando as forças se esvaem,
Alcançar a estrela inatingível:
Essa é a minha busca".

- Dom Quixote de La Mancha



Ao reler a minha última postagem por aqui, percebi o quão fundamental é a escrita. Digo, ou melhor, escrevo isso não somente no sentido acadêmico, mas também como um meio de promover o conhecimento de nós mesmos ao longo dos anos. É por meio da escrita que podemos (re)ler, (re)ver e (re)pensar aquilo que antes acreditávamos ser imutável. É por ela, ainda, que podemos registrar tudo o que sentimos ou o que queremos mesmo: as nossas crenças, os nossos medos, as nossas conquistas e por aí vai. Pode até ser uma fonte de terapia, daquelas que só você e o papel entendem. Ah, a escrita! E não precisa ser aquela rebuscada, formalíssima, repleta de termos complexos ao saber médio da população, basta aquela que transmita o que se quer dizer, nada mais. A escrita é a forma mais simples e antiga de registrar e perpetuar no tempo os acontecimentos da vida. Não é a toa que, desde os primórdios, o homem sentiu necessidade de escrever, ainda que não fosse com palavras, mas com imagens na caverna.

Pois bem, a partir do meu texto, no meu primeiro e único relato durante o intercâmbio, percebi o quanto eu modifiquei aquela minha ideia inicial, fruto do primeiro mês longe do ninho. É certo que, por tudo o que foi acontecendo com o passar do meu intercâmbio, eu mudei. É que aprendi a me relacionar com o tempo, com a distância e com os desencontros. Entendi que o que mais vale são as ações e menos os discursos, estes que, dependendo de onde vêm, são repletos de falácias. Passei a me sentir em casa; a me identificar com o lugar em que vivi. Aprendi a diferença entre um sorriso nos lábios e um riso sincero, desinteressado. Vi carinhas boas, mas ordinárias e carinhas ordinárias que o são de verdade. Vi pessoas completamente diferentes vivendo os seus respectivos sonhos. Admirei essa diversidade. Experimentei novas culturas e formas de ver a vida. Vi pessoas plenas no aspecto material, mas tão vazias espiritualmente. Passei a dedicar o meu tempo somente àquelas pessoas que somavam, que transmitiam felicidade. Sonhei. Aprendi não só a viver em uma casa sem os meus pais, como também a testar os meus limites. Questionei e questionei-me; fui questionada (ou talvez fui assunto constante de quem não tinha o que viver). Viajei por lugares incríveis. Vivi momentos simples, mas de felicidade inenarrável. Sobretudo, posso dizer que me aperfeiçoei na arte de fazer novos e bons amigos - obrigada Fernanda, Gabriela e Vitor! E, ainda, por tudo, observei que a vida só surpreende a quem procura vivê-la de verdade. 

Em poucas palavras, transformei o que talvez fosse angústia do que viria pela frente em uma oportunidade única de experimentar, por mim mesma, o mundo e de observar como as pessoas se relacionam nele. E valeu a pena. Literalmente. Morrer de saudade proporcionou-me reafirmar valores que a mim são primordiais e, também, a repensar, a partir de novas óticas, outros tantos aspectos da vida.

Confesso que, por todas as experiências que o cara lá de cima me proporcionou, passei a querer que esse dia 30 de janeiro de 2012 demorasse a chegar, mas ele veio rapidinho. De qualquer sorte, valeram os seis meses e a volta ao ninho, que também é maravilhoso.


Breves relatos fotográficos:


Com vocês, foi só felicidade!



(L)
(L)







"Quem toda vida saberá o que significa 
a viagem de cada um?"
Fernando Sabino


sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Erasmus - Cuenca, Espanha

Realmente, Einstein tinha razão: o tempo é relativo. Não que em algum momento eu tivesse duvidado, é claro, mas é que toda teoria fica mais interessante quando a percebemos no âmbito empírico. E é assim: tenho a impressão de que, em um mês, vivi momentos capazes de preencher, no mínimo, o triplo desses dias. Na verdade, é até estranho que o tempo real não acompanhe aquilo que fica guardado na memória. Enfim, hoje completa um mês que saí de casa, em Vitória, rumo a Cuenca, na Espanha, para estudar um semestre de Direito na Universidad Castilla-La Mancha.

É certo que tudo o que é novo pode ser difícil no início. Na verdade, não é “dificuldade” que resume o que sinto; é mais um misto de imprevisão do que pode vir e, sobretudo, saudades dos que ficaram no Brasil – família, namorado e amigos. Pode parecer contraditório, mas, apesar de ter feito esta escolha por acreditar que muito enriquecerá a minha vida como um todo e não só profissionalmente; e, ainda, de estar gostando da experiência e aproveitando o possível, meu desejo é que dia 30 de janeiro de 2012 venha muito rápido! Mas, enquanto os dias ainda se estendem por aqui, o jeito é controlar a saudade e curtir o que este velho continente pode oferecer, o que não é pouco.


A cidade de Cuenca:

Cuenca, apesar de ser pequena, surpreende por sua história e beleza. Situada na confluência entre os rios Júcar e Huecar, sua parte histórica (Casco Antigo) forma a parte mais alta e permite uma vista incomparável de toda a cidade. Não à toa, foi considerada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.



Casco Antigo


Antigo mosteiro. Hoje, um hotel.


Abaixo, rio Júcar






Catedral



Rio Júcar






Puente de San Pablo 


Casas Colgadas










Comportamentos estranhos:

  • Siesta: Em plena crise, os espanhóis mantêm a famosa siesta, que, por muitos daqui, é considerada sagrada. Geralmente, é feita pelos estabelecimentos comerciais, de rua, e consiste na pausa de suas tarefas profissionais para um des-can-so de 14h às 17h. Alguns, inclusive, agora no verão, nem retomavam as suas atividades, abriam somente no dia seguinte. Outros, além da siesta diária, elegiam um dia para, simplesmente, não abrirem. Sério, isso me irritou bastante nos primeiros dias e acredito que, se alguns deles fossem para o Brasil, iriam morrer de fadiga. Costume é costume, mas que a crise está forte, isso está.


  • Semente de girassol: Parece que esse é o “petisco” principal da Espanha. Em todo lugar, tem alguém comendo – e jogando as cascas no chão -, o que me intriga, porque dá um trabalho para descascar e, no final, fica um grão um pouco maior que um arroz. E isso me lembrou de outra prática estranha.





  • Lixo: Que povo porco! Tudo joga no chão, e não só no das ruas. Os bares daqui parecem que não têm lixeira, então, o que os consumidores fazem? Jogam os guardanapos no chão, isso mesmo. Fica uma coisa nojenta, sério, principalmente no final da noite. As ruas daqui só ficam limpas porque os garis daqui são bem rápidos.


  • Horário: Os espanhois costumam sair para as festas – bares, boate - depois das 2h e a boate só começa a encher depois das 4h!


Universidade:

Quanto à universidade, hoje decidi as matérias que cursarei: Derecho Electoral, Derecho Internacional Publico, Introdución a la economia e Derecho Comunitário, que estuda a União Europeia. Agradeço por ter como língua materna o português, porque, se fosse outra língua não-latina, estaria perdida, já que ainda não teve início o curso de espanhol. Enquanto isto, vou me virando no famoso portunhol para conseguir estabelecer qualquer comunicação.

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Para não ficar um post muito extenso, decidi escrever sobre as viagens, festas e outras coisas que ainda quero falar em publicações individuais. Então, por hoje, ficam esses primeiros relatos.


Saudades da minha pátria amada e de todos que nela estão.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O Homem Escrito

Ainda está vivo ou
virou peça de arquivo
sua vida é papel
a fingir de jornal?

Dele faz-se bom uso
seu texto é confuso?
Numa velha gaveta
o esquecem, a caneta?

Após tantos escapes
arredonda-se em lápis?
Essa indelével tinta
é para que não minta
mas do que o necessário
é uma sigla no armário?

Recobre-se de letras
ou são apenas tretas?
Entrará em catálogo
a custa de monólogo?

Terá número, barra
e borra de carimbo?
Afinal, ele é gente
ou registro pungente?

Carlos Drummond de Andrade